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É preciso reaprender a viver: a luta para reunir e salvar o povo Arara

05/12/2025

Autor: Cristina Ávila

Fonte: Correio Braziliense - https://www.correiobraziliense.com.br/brasil/2025/12/7307086-e-preciso-reapren



É preciso reaprender a viver: a luta para reunir e salvar o povo Arara
Nesta quinta reportagem da série, antropólogo que acompanha os Arara relata recomendações que encaminhou à Funai

Por Correio Braziliense
postado em 05/12/2025 03:55

Por Cristina Ávila, especial para o Correio - "Os Arara da Terra Indígena (TI) Cachoeira Seca precisam reaprender o modo de vida tradicional, afetado pela invasão de seu território pela Transamazônica (BR230), nos anos 70, aprofundada pela recente Usina Hidrelétrica Belo Monte. Estamos assistindo às suas últimas chances de sobrevivência como povo indígena", alerta o antropólogo Márnio Teixeira-Pinto, que os acompanha desde 1986, dois anos após os primeiros subgrupos Arara serem transferidos pelo sertanista Sydney Possuelo para a TI Arara. Ele conduziu parcela deles para lá quando estavam há mais de uma década em correrias, numa fuga constante, nas margens do rio Iriri, bacia do Xingu, área onde ainda habitam, abrangida pelos municípios de Altamira e Uruará, região de florestas conhecida como Terra do Meio, no Pará.

"Tratores e retroescavadeiras passaram em cima de suas roças de subsistência, e destruíram caminhos tradicionais na mata. A partir daí, alguns subgrupos permaneceram em um afastamento histórico maior do que outros parentes Arara. E um deles, hoje na TI Cachoeira Seca, resultou em profundo isolamento e na enorme fragilidade em que vivem, sofrendo com as pressões regionais, com a perda quase total da sua capacidade de comunicação cotidiana na língua materna, com o esquecimento de conhecimentos sobre a floresta e com a saúde física e mental comprometidas. A perda da relação com os demais subgrupos Arara hoje aldeados na TI Arara (também nas margens do Iriri) comprometeu não só suas tradições, mas a possibilidade de casamentos e trocas naturais entre aldeias, fundamentais para manutenção de seu modo de vida", explica Márnio Teixeira-Pinto.

Esta série, em quatro reportagens publicadas dias antes do início da Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), em Belém, precisou ser continuada agora com outras duas reportagens, porque o momento coincide com dados inéditos sobre a bacia do Xingu. Nesta quinta matéria, Márnio Teixeira-Pinto apresenta os resultados da expedição que empreendeu durante 30 dias, entre os meses de janeiro e fevereiro deste ano nas Terras Indígenas Arara e Cachoeira Seca, que foram delimitadas em datas e modos diferentes mas abrigam o mesmo povo. Este texto é um relato sobre as diferenças culturais provocadas pela diáspora desta etnia e as recomendações que faz para a uni-los novamente.

As recomendações resultam de análises em conjunto com organizações como Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Observatório dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (OPI), Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Instituto Socioambiental (ISA), Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e Conectas Direitos Humanos.

Márnio Teixeira-Pinto é professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e realizou a viagem de modo voluntário, a convite da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) com a proposta de ajudar a Rede Bem Viver Arara, organizada pela instituição, para desenhar programas de articulação da população indígena. No dia 3 de novembro, entregou à Coordenação-Geral de Índios Isolados e Recém-Contatados (CGIIRC), da Funai (os Arara são classificados como de recente contato), um relatório de 36 páginas que inclui recomendações para evitar o que considera iminente genocídio.

O antropólogo cita que grande parte das mulheres da Cachoeira Seca não deseja mais ter filhos. A população sofre impactos de problemas como drogas, alcoolismo e prostituição, além de quase abandono de roças e grave falta de referências em sua cultura tradicional, suas técnicas de sobrevivência, sua organização social, com dificuldade radical de construir projetos de futuro.

Entre as recomendações que ele faz está a promoção de encontros regulares desses indígenas com seus parentes, principalmente os que vivem no Laranjal, a aldeia-mãe da Terra Indígena Arara, que tem grande número de idosos e adultos, mais de 400 pessoas. Márnio explica que para lá foram levados os quatro subgrupos da etnia que foram contatados pelo sertanista Sydney Possuelo entre 1979 e 1984. Somente não foi o grupo contactado em 1987, cujos descendentes vivem até hoje na TI Cachoeira Seca.

"Os Arara sempre viveram organizados em diversos subgrupos, até com pequenas variações dialetais, mas o povo é o mesmo. O Sydney conseguiu reintegrar boa parte deles na aldeia do Laranjal e ali esses primeiros subgrupos contatos conseguiram se reestruturar, mesmo na pequena área que se conseguiu demarcar inicialmente", acentua.

Eles não resistirão se continuarem isolados do resto do seu povo", ressalta. "Quando eles fizeram o contato em 1987, já estavam completamente desagregados dos demais Arara. É um povo que sobreviveu a massacres. Ao massacre da Transamazônica, da colonização que se seguiu. Já não tinha mais agricultura regular. Todas as referências culturais do passado foram danificadas. Eles não têm de onde tirar uma experiência de passado para se reestruturar.

Herança de serraria
Entre as invasões que impedem a reunião dos Arara em um mesmo povo, o antropólogo cita o vilarejo Maribel, que deu abrigo à antiga Bannach, empresa que entre os anos 70 e 80 instalou uma serraria de mogno no local, estimulando o desmatamento ilegal de boa parte daquela área. Localizado na margem do rio Iriri, o povoado é acessado por uma estrada de chão de 80 quilômetros com saída da cidade de Uruará, km 180 da Transamazônica.

"Essa estrada, aberta pela Bannach a partir de acordo com Maribel, permitiu a invasão geral do território ali. As invasões são responsáveis por toda essa devastação daquela região. Roubo de madeira, fazenda de gado, usina de energia", frisa Márnio Teixeira-Pinto. O antropólogo observa que a Constituição Federal reconhece o direito imemorial das terras pelos indígenas e de seu usufruto exclusivo.

O relatório à Funai que entregou agora recomenda que sejam apresentadas informações atualizadas sobre o processo de desintrusão, definidas ações emergenciais para impedir desmatamentos, grilagens e abertura de ramais madeireiros, com investigações a partir do Ministério Público Federal, além de um plano definitivo das unidades de proteção territorial da TI Cachoeira Seca, helicópteros para fiscalização e que a pavimentação do trecho Medicilândia-Rurópolis (Transamazônica na região) seja condicionado à regularização fundiária desse território indígena.

Desintrusão, já!
A palavra significa a retirada de invasores, que segundo estimativas dos indígenas estão entre 1 mil e 4 mil não-indígenas que vivem ilegalmente dentro de seu território tradicional, sem contar os que têm passagem livre para farras em pescarias no Iriri. É a primeira recomendação que consta do relatório de Márnio Teixeira-Pinto à Funai. "Sem botar todo mundo pra fora, sem regularização fundiária do território indígena, os Arara da Cachoeira Seca estarão condenados ao desaparecimento".

Outra é a reintegração do povo. A sugestão de Márnio é que esse grupo do Cachoeira Seca, a partir da desintrusão do território, possa se reintegrar com práticas comuns com os Arara do Laranjal e de outras aldeias que tenham mantido aspectos importantes da cultura, criando de fato uma rede de relações só possível com a área contínua e desimpedida.

"Grande parte dos Arara da Cachoeira Seca não sabem mais caçar com as técnicas mais tradicionais de perseguição e rastreio, e chegam até a se perder no mato. Sem as grandes caçadas e as festas, parte da cultura foi se perdendo Eles perderam referências de vida, não têm projetos de futuro sustentáveis. Os do Laranjal são exímios caçadores. São cheios de regras de civilidade, de cerimônia. Cheios de estruturas de linguagem, constroem imagens, projetam atividades sustentáveis que não excluem práticas culturais históricas", explica.

Márnio diz em seu relatório que por causa do isolamento provocado pelas múltiplas invasões de seu território ao longo de décadas, os Arara da Cachoeira Seca não tiveram direito a um passado.

"Seu passado foi de fuga e escondimento. Não podem se inspirar no passado pra servir de base a um projeto de futuro. Eles não têm modelo cultural que lhes sirva de horizonte e de esperança. Só terão isso se juntando com o resto de seu povo".

A desintrusão e regularização fundiária de Cachoeira Seca fez parte - não realizada - do Plano de Mitigação de Impacto do Componente Indígena da UHE Belo Monte, empreendimento que também lhes traz ainda muitos prejuízos.

Um povo indígena isolado de si mesmo

Iaut Arara, indígena da Terra Indígena Cachoeira Seca, Terra do Meio, Pará, mestre em notório saber da Universidade Federal da Bahia (UFBA)
Iaut Arara, mestre em notório saber pela UFBA (foto: Cristina Ávila/Esp. CB/D.A Press)

Iaut, vice-cacique da aldeia Iriri, da TI Cachoeira Seca, estava na expedição que o antropólogo Márnio fez aos territórios de seu povo, e comentou sobre diferenças linguísticas que notou nas conversas nas aldeias da TI Arara. Ele tem excepcional oralidade e, embora sem ler e escrever em português, frequentemente auxilia pesquisadores em trabalhos nas aldeias, especialmente fazendo traduções. Por seu talento, a Universidade Federal da Bahia acabou de lhe conceder o título de mestre em notório saber, passando a integrá-lo no seu quadro de professores visitantes. Perguntei o que observou quando esteve com os parentes:

"A maneira deles é diferente da nossa. É mais longa. Na nossa, as coisas são rápidas, nós falamos mais rápido. Eles, a gente quase nem escuta falar, falam baixinho, sabem se comportar. Não comem que nem nós, a comida é prolongada demais. Na hora de comer os alimentos, nós comemos logo. Eles conversam demais antes de comer, explicam tudo bem explicadinho. É muito longo, muito calmo. Eles também sofreram muito. Eles contaram tudo isso. Disseram que na hora da abertura da estrada (a Transamazônica) nós fomos divididos. Planejamos fazer festas, eles nos visitam, a gente visita eles. Fazemos as festas do Ieipari (ritual tradicional). A troca de experiências é muito importante".

40 anos de história de uma luta indígena
"Ieipari" é um ritual Arara que dá nome ao livro de Márnio Teixeira-Pinto (na foto de 1994, o 4o da esq/dir), resultado de sua tese de doutorado apresentada ao Museu Nacional do Rio de Janeiro em 1995, com orientação do antropólogo Eduardo Viveiros de Castro. Ele os acompanha desde 1986. Na obra, premiada pela Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Ciências Sociais (ANPOCS), conta como esses indígenas se tornaram famosos nos anos 70 pela extrema resistência que opuseram às muitas tentativas de atração pelas frentes organizadas pela Funai, chegando a ser motivo de reuniões de ministros.


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